Fabrício Carpinejar (Poesia)

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Testamento 

Sou também um livro
que levantou
dos teus olhos deitados. 

Em tudo o que riscavas,
queria um testamento.
Assim recolhia os insetos 

de tua matança,
o alfabeto abatido
nas margens. 

Folheava os textos,
contornando as pedras
de tuas anotações. 

Retraído,
como um arquipélago
nas fronteiras azuis. 

Desnorteado,
como um cão
entre a velocidade 

e os carros.
Descia o barranco úmido
de tua letra, 

premeditando
os tropeços.
Sublinhavas de caneta, 

visceral,
impaciente com o orvalho,
a fúria em devorar as idéias, 

cortar as linhas em estacas da cruz,
marcá-las com a estada.
Tua pontuação delgada, 

um oceano
na fruta branca.
Pretendias impressionar 

o futuro com a precocidade.
A mãe remava
em tua devastação, 

percorria os parágrafos a lápis.
O grafite dela, fino,
uma agulha cerzindo 

a moldura marfim.
Calma e cordata,
sentava no meio-fio da tinta, 

descansando a fogueira
das folhas e grilos.
Cheguei tarde 

para a ceia.
Preparava o jantar
com as sobras do almoço. 

Lia o que lias,
lia o que a mãe lia.
Era o último a sair da luz. 

Nenhuma ferida 

Nenhuma ferida
separava teus pesadelos.
Quando vagaste em meia-idade 

pela selva escura, fiquei
a conversar com tuas camisas,
aprumando boinas 

que afogavam os cabelos.
Tinha sete anos ao certo
e uma lua vadia disputando 

corridas comigo.
Fiquei a entreter
os tecidos alinhados, 

como um exército em revista,
procurando convencer
uma peça ao menos 

a delatar tua deserção.
Quando vagaste em meia-idade
pela selva escura, fiquei

alimentando o aquário
das gravatas.
Pedia privacidade às traças.

Vestia tua camisa,
copiando o ritmo
dos teus traços, 

a respiração copiosa,
sendo meu próprio
e definitivo pai.

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